Direito das Sucessões – análise de caso

O direito das sucessões apresenta muitas situações complexas e de difícil
compreensão para boa parte das pessoas, incluindo os operadores do direito. Este breve
artigo tem como objetivo realizar o estudo de um caso especifico e buscar esclarecer os
direitos das pessoas envolvidas.

Este artigo foi escrito para pessoas que desejam conhecer seus direitos por ocasião
da perda de um ente querido e, portanto, não foi escrito para profissionais da área jurídica.
Por esse motivo, será usada uma linguagem simples e sem conceitos técnicos.

CASO A SER ANALISADO

1) Uma pessoa casada, sob o regime da comunhão parcial de bens faleceu. Possuía
bens antes do casamento. Não tinha filhos e só tinha um ascendente. Deixou bens a
inventariar. Não deixou testamento.

Como fica a situação da meação e da herança?

Neste caso, há duas ponderações a serem feitas: uma à luz do direito das
sucessões e a outra à luz do direito de família.

Inicialmente é necessário analisar a situação geral do direito das sucessões, e
posteriormente em relação ao direito de família. Ao final buscar indicar a resolução jurídica
para o caso em análise.

A aplicação das normas jurídicas é realizada fazendo a comparação do fato jurídico
(nesse, o caso falecimento de uma pessoa – um dos cônjuges) com a previsão legal para
que se possa aplicar o direito. Vejamos.

O artigo 1.829 do Código Civil prevê o seguinte:

“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória
de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.

Levando em consideração que é obrigatório seguir a ordem da sucessão
tratada no artigo acima, é possível observar que, no caso em análise não há filho
(descendente) e por isso não se aplica o inciso I.

Se não há filhos, então, passa-se para análise do inciso II, no qual dispõe que
a sucessão defere aos ascendentes (pai, mãe) em concorrência com o cônjuge
sobrevivente.

Observa-se que o caso se encaixa nessa previsão legal, cônjuge que falece
sem filho e deixa ascendente.

O Artigo 1.836 complementa esse entendimento quando diz:

“Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em
concorrência com o cônjuge sobrevivente.”

Primeira conclusão: Até aqui é possível concluir que são herdeiros o cônjuge e o
ascendente (pai ou mãe) da pessoa falecida.

A dúvida agora é saber qual a parte da herança cabe a cada um dos herdeiros.
Recorre-se novamente à Lei Específica para auxiliar o entendimento. O artigo 1.837 do Código Civil auxilia no esclarecimento:

“Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um
terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se
maior for aquele grau.”

Segunda conclusão para esse caso: A herança será dividida para o cônjuge e ao
ascendente na proporção de 50% para cada, tendo em vista que há apenas um ascendente.

Ainda resta uma dúvida em saber qual o patrimônio que será considerado para
efeito de partilha?
Nesse momento o direito de família vai auxiliar nessa resposta.
Como o regime de casamento é o da comunhão parcial de bens, será analisado tão
somente este caso particular, sendo desconsiderados os demais regimes de casamento. O
Código Civil trata do regime de comunhão parcial de bens nos artigos 1.658 a 1.666. Serão
analisados apenas os artigos que se aplicam ao caso em análise.

O artigo 1.658 do Código Civil dispõe que:

“Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao
casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.”

De acordo com o artigo acima, é certo que pertencem aos cônjuges todos os bens
que foram conquistados na constância do casamento. Sendo metade para cada, a isso se
chama meação.

Por outro lado, o artigo 1.659 prevê quais os bens que são excluídos da comunhão.

“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na
constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges
em sub-rogação dos bens particulares;

[…]”

Por esse artigo e incisos é possível concluir que os bens que a mulher ou o homem
possuía antes de casar não entram na meação pelo regime da comunhão parcial de bens.
De igual modo é possível verificar que os bens que cada cônjuge possuía antes do
casamento, e foram vendidos para adquirir outro bem na constância do casamento, não
entram na meação dos bens.

Para responder por completo a indagação inicial, se fez necessário a combinação
e análise das áreas do direito de famílias e do direito das sucessões.

Em resumo, pode ser observado que há duas situações distintas que se completam
e são interdependentes: a meação e a herança. Conforme já disposto acima, a meação diz
respeito aos direitos do cônjuge sobrevivente de acordo com o regime de casamento, que
no caso analisado é o regime de comunhão parcial de bens.

Por outro lado, a herança diz respeito aos direitos dos herdeiros em relação aos
bens particulares da pessoa falecida. No caso apresentado ficou demonstrado que são
herdeiros o cônjuge sobrevivente e a ascendente, na proporção de 50% para cada.

Para melhor esclarecer o que foi tratado nesse breve artigo, com base no estudo
de caso proposto, serão demonstrados dois exemplos com valores financeiros.

Primeiro exemplo:
(Cônjuge falecido, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, possuía bens
antes do casamento, sem filhos, apenas um ascendente vivo.)

Situação antes do casamento:
Falecido: patrimônio do valor de R$200.000,00 (terreno).
Análise: Pelo regime de casamento – comunhão parcial – esse bem particular não
entra na meação.

Situação durante o casamento:
Adquire uma casa no valor de R$ 200.000,00
Possuía aplicação financeira no valor de R$ 100.000,00
Análise: Pelo regime de casamento esses bens são comuns e entra na meação.
Metade pertence ao cônjuge sobrevivente outra metade aos herdeiros.

Situação no momento do falecimento:
Quando o cônjuge falece existe o seguinte patrimônio:
R$200.000,00 – terreno adquirido pelo falecido antes do casamento (bem particular)
R$200.000,00 – casa adquirida na constância do casamento
R$ 100.000,00 – aplicação financeira na constância do casamento
Nesse caso, como será a divisão dos bens por ocasião do falecimento?
Vamos demonstrar em dois passos.

Primeiro passo: faz-se a meação dos bens adquiridos na constância do casamento:
R$200.000,00 – casa adquirida na constância do casamento
R$ 100.000,00 – aplicação financeira na constância do casamento
TOTAL R$ 300.000,00
Desse valor 50% (cinquenta por cento) pertence ao cônjuge sobrevivente que será
R$ 150.000,00.
Os outros 50% (cinquenta por cento) será reservado para partilha da herança, pois
pertence aos herdeiros. (R$ 150.000,00.)

Segundo passo: Fazer a apuração dos valores do patrimônio da herança.

Existe o terreno adquirido antes do casamento no valor de R$ 200.000,00
Existe o valor de R$ 150.000,00 referente a 50% (cinquenta por cento) dos bens da pessoa falecida adquirido na constância do casamento (meação).

Assim, o patrimônio total a ser partilhado entre os herdeiros será o seguinte:

R$ 200.000,00
R$ 150.000,00
TOTAL = R$ 350.000,00

Conclusão:
Conforme art. 1.837 do Código Civil, será 50% (cinquenta por cento) para o cônjuge sobrevivente e 50% (cinquenta por cento) para a ascendente, então:

CônjugeAscendente
R$ 175.000,00R$ 175.000,00

Ao final, a ascendente receberá R$ 175.000,00
Ao final, o cônjuge receberá R$ 325.000,00
(Sendo R$ 150.000,00 da meação MAIS R$ 175.000,00 da herança).

Observação: Se o cônjuge sobrevivente possuía bem antes do casamento, é bem particular e não entra na meação ou herança.

Segundo exemplo:
(Pessoa falecida casada sob o regime da comunhão parcial de bens, possuía bens antes do casamento, sem filhos, apenas um ascendente vivo).

Observação:
Neste segundo exemplo, a alteração será no seguinte sentido: Foi adquirida uma casa na constância do casamento no valor de R$ 400.000,00. Para aquisição dessa casa, o cônjuge falecido vendeu o terreno adquirido antes do casamento no valor de R$ 200.000,00, e o restante foi complementado pelo trabalho de ambos os cônjuges.

Com essa alteração, vamos fazer a meação e o levantamento do patrimônio para efeito de herança.

Situação antes do casamento:
Falecido: patrimônio no valor de R$ 200.000,00 (terreno).
Análise: Pelo regime de casamento – comunhão parcial – esse bem particular não entra na meação.

Situação durante o casamento:
Adquire uma casa no valor de R$ 400.000,00 (com a venda do terreno do cônjuge falecido no valor de R$ 200.000,00)
Possuía aplicação financeira no valor de R$ 100.000,00
Análise: Pelo regime de casamento – comunhão parcial – os bens comuns são o valor de R$ 200.000,00 da aquisição da casa e R$ 100.000,00 da aplicação e entram na meação. Metade pertence ao cônjuge sobrevivente e a outra metade aos herdeiros.

Situação no momento do falecimento:
Quando o cônjuge falece, existe a seguinte situação patrimonial:
R$ 400.000,00 – casa adquirida na constância do casamento (com a venda do terreno do cônjuge falecido no valor de R$ 200.000,00)
R$ 100.000,00 – aplicação financeira na constância do casamento

Neste caso, como será a divisão dos bens por ocasião do falecimento?
Vamos demonstrar em dois passos.

Primeiro passo: faz-se a meação dos bens adquiridos na constância do casamento:

R$ 100.000,00 – aplicação financeira na constância do casamento
R$ 400.000,00 – casa adquirida na constância do casamento (com a venda do terreno no valor de R$ 200.000,00 adquirido pelo cônjuge falecido antes do casamento).

Observação: Pelo motivo da casa ser adquirida com a venda de bem existente antes do casamento pelo cônjuge falecido, deve ser excluído da meação e será incluído na partilha para herança. Então:

R$ 400.000,00 – R$ 200.000,00 = R$ 200.000,00
R$ 200.000,00 da casa (parte adquirida com o trabalho de ambos os cônjuges)
R$ 100.000,00 aplicação financeira
TOTAL = R$ 300.000,00

Desse valor, 50% (cinquenta por cento) pertence ao cônjuge sobrevivente por meação, que será R$ 150.000,00.
Os outros 50% (cinquenta por cento) serão reservados para partilha da herança, pois pertencem aos herdeiros. (R$ 150.000,00.)

Segundo passo: Fazer a apuração dos valores do patrimônio da herança.

Existe a casa no valor de R$ 400.000,00 (sendo que R$ 200.000,00 é parte do terreno adquirido antes do casamento).
Existe o valor de R$ 150.000,00 referente a 50% (cinquenta por cento) dos bens da pessoa falecida adquiridos na constância do casamento.

Assim, o patrimônio total a ser partilhado entre os herdeiros será o seguinte:

R$ 200.000,00 do valor do terreno adquirido antes do casamento e que foi vendido para compra da casa
R$ 150.000,00 da meação pertencente ao cônjuge falecido
TOTAL = R$ 350.000,00

Conclusão: Conforme art. 1.837 do Código Civil, será 50% (cinquenta por cento) para o cônjuge sobrevivente e 50% (cinquenta por cento) para a ascendente, então:

CônjugeAscendente
R$ 175.000,00R$ 175.000,00

Ao final, a ascendente receberá R$ 175.000,00
Ao final, o cônjuge receberá R$ 325.000,00
(Sendo R$ 150.000,00 da meação MAIS R$ 175.000,00 da herança).

Observação: Se o cônjuge sobrevivente possuía bem antes do casamento, é bem particular e não entra na meação ou herança.

Conclusão:

Este pequeno artigo foi escrito com o objetivo de analisar um caso concreto e prático que ocorre no dia a dia da vida dos brasileiros. O principal objetivo foi buscar esclarecer os direitos do cônjuge sobrevivente no direito de família e os direitos dos herdeiros no direito das sucessões.

Para alcançar essa meta, foi observada a aplicação da legislação pertinente ao caso em análise e exemplos com valores, para que assim possa ser demonstrada a aplicação da lei.

Apenas lembrando que este pequeno artigo está direcionado a pessoas não operadoras do direito (advogados), e por esse motivo foi utilizada uma linguagem comum sem termos técnicos.

Por fim, espera-se que esses esclarecimentos possam auxiliar as pessoas, que se encontram em situações semelhantes, a melhor compreender e usufruir dos direitos, bem como cumprir suas obrigações legais.